segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O direito de decidir




O DIREITO DE DECIDIR

1. INTRODUÇÃO

            O testamento vital (TV) surgiu no Brasil como opção democrática de o paciente optar por sua vida antes que se lhe ocorra seu estágio terminal. O tema tomou proporções maiores depois que o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução CFM 1.995, de nove de agosto de 2012, estabelecendo as diretivas antecipadas de vontade como conjunto de desejos manifestados pelos pacientes (SOUSA, 2012). 
            O novo instrumento determina que a vontade do paciente em estágio terminal deve ser conhecida, registrada e respeitada pelo seu médico. Permite ao paciente registrar, por exemplo, que não ser mantido vivo com a ajuda de aparelhos, nem submetido a procedimentos invasivos ou dolorosos é uma opção legal.
            Uma novidade que vem junto com a resolução é que, a partir de agora, o comitê de bioética dos hospitais terá propriedade para tomar decisões. Antes, era apenas consultivo. Isso ocorrerá no caso de o paciente não ter um testamento vital, e a família não chegar a nenhum acordo sobre a resolução. Além do comitê, a equipe médica também pode tomar decisões, podendo buscar auxílio de outros profissionais da saúde.
            Vinculado ao movimento dos cuidados paliativos, o tema envolve uma série de debates éticos. Embora alguns setores isoladamente possam discordar da medida, Moacir Arus, professor de medicina legal da UFRGS e chefe do serviço de dor e medicina paliativa do Hospital de Clínicas, por exemplo, explica que trata-se de uma ortotanásia, ou seja, morte no tempo certo e natural, impedindo sofrimento extremo muitas vezes desencadeado pelos próprios tratamentos. Não se pode confundir com eutanásia, que é a interrupção da vida de forma ativa. Trata-se de evitar uma distanásia, ou seja, a morte sofrida, prolongada e sem perspectivas de qualidade.

2. TESTAMENTO VITAL E SUAS REPERCUÇÕES

            A decisão do Conselho Federal de Medicina (2012), muda a conduta do médico brasileiro ao reconhecer a legitimidade do testamento vital, documento no qual os pacientes registram o tratamento que desejam receber quando a morte se aproxima.
            O testamento vital é um documento pessoal e intransferível, cujo objetivo é fazer valer as escolhas individuais relativas aos tratamentos médicos em um quadro terminal. Atualmente, como a resolução do testamento vital tem força de lei entre os médicos, o profissional que não a respeitar pode ser punido até mesmo com a perda do registro. Muitas pessoas criticam o testamento vital por achar que exista uma condição apelativa à morte, e não, ao que todo ser humano deve aclamar: a vida!
            O perfil do paciente terminal tem mudado radicalmente. Até pouco tempo atrás, a imagem do doente terminal restringia-se ao idoso preso a aparelhos de uma UTI, por exemplo. Com os avanços da medicina, no entanto, o tempo de vida do portador de um quadro terminal aumentou exponencialmente (LOPES, CUMINALE, 2012).
            Atualmente, os pacientes terminais podem agora ter qualidade de vida durante um período de tempo mais longo. A criação de UTI mais tecnológicas fez com que a vida sustentada artificialmente adiou a morte. Com o aperfeiçoamento dos exames de imagem, o refinamento dos medicamentos e a criação de máquinas para a sustentação artificial da vida, os portadores de doenças crônicas graves artificialmente vivem mais.
            O documento TV reflete as preferências de cuidados e tratamento de uma pessoa a ser aplicadas quando incapaz de se expressar. Nesta lei, a autonomia é definida não apenas por seus aspectos instrumentais ou a execução de atividades, mas também a capacidade de lidar e tomar decisões pessoais sobre como viver de acordo com suas próprias preferências.
            Na Espanha, por exemplo, a validade jurídica da TV é muito nova, porém mais cidadãos que procuram preencher um documento desta natureza. Com toda a probabilidade, nos anos esta ferramenta para ajudar a tomada de decisões no final da vida, que afeta principalmente pessoas com mais de 65 anos, mais velho, a partir de agora, torna-se uma questão de grande interesse. Por esta razão, parece aconselhável realizar uma revisão completa das contribuições teóricas e práticas sobre este tema mais relevante (CANTALEHOS, 2008).
            Nos Estados Unidos, o país experimentou pelo menos quatro fases, dependendo da abordagem em todos os momentos que foi implantado a TV (CANTALEHOS, 2008):
  1. Fase pré-legislativa: nesta fase, a TV é usada de forma defensiva. Seu uso foi promovido principalmente por associações de morrer com dignidade. Nesse período, o termo foi cunhado TV. Sua origem é do final dos anos 60 e é atribuído a um primeiro trabalho de Luis Kutner. Como "descritor", a TV prazo (vontade de estar) foi usado pela primeira vez em 1974, no Medical Subject Headings (MeSH). Em termos jurídicos, a legislação estadual surgiu na Califórnia em 1976. A partir deste ponto, o desenvolvimento legislativo espalhados em quase todos os estados ganhou o debate sobre o assunto na medicina.
  2. Fase legislativa (até 1990): na década de 80 e após o impulso decisivo que levou o relatório da Comissão do Presidente nas decisões sobre o fim da vida e de suporte da vida, começou a desenvolver novos projetos legislativos da TV e estar regularmente especificados em revistas biomédicas. Nesta primeira fase, são realizadas revisões de literatura que resumem e conceituam as experiências mais influentes até agora. O estudo mais importante foi o do Instituto Kennedy de Ética em 1991.
  3. Fase iniciativa de implementação (1990-1995): a fase legislativa recebe a sua consolidação definitiva com a entrada em vigor em 1991 da Lei de Autodeterminação do Paciente nos EUA. Neste período, multiplicado estudos de investigação sobre o uso dessas ferramentas, entre as quais o melhor exemplo é o estudo APOIO, mais de quatro anos, mais de nove mil pacientes e um resultado significativo. Os objetivos do suporte foram basicamente três: 1) informar o prognóstico de pacientes criticamente doentes no final da vida, 2) descrever a forma como as decisões de tratamento são feitas, incluindo a influência dos valores e preferências dos pacientes e da família, e 3) melhorar a tomada de decisões a partir da perspectiva do clínico e do paciente.
  4. Fase "Planejamento futuro para Decisões de Saúde" (1995-2000): em setembro de 1993, um grupo de 33 bioeticistas americanos famosos começaram a se encontrar no âmbito de um projeto de investigação do Centro Hastings para refletir sobre o papel que deve desempenhar a TV na tomada de decisão clínica. Nestes processos, a TV poderia desempenhar um papel importante, mas que não seria o objetivo final, mas a ferramenta de trabalho. O planejamento da assistência foi um termo introduzido em adiantamento pela Bioethicsline Thesaurus, em 1998. A fim de desenvolver esta nova abordagem foi necessária para atender o emocional, o cultural e a moral em que uma pessoa mais velha toma decisões no final de sua vida. Para estudar estes fenômenos, o método quantitativo começou a ser insuficiente. Por esta razão, desde 1995 e até hoje, a literatura americana sobre a experiência de TV obteve uma mudança para o conceito de planejamento futuro que vem utilizando técnicas de pesquisa qualitativa. Linda L. Emanuel faz parte de um projeto de educação ambiciosa e atraente continuada dos profissionais de saúde sobre os cuidados no fim da vida que ocorre nos EUA, chamado de EPEC Project (Projeto para educar os médicos sobre o cuidado com a vida), uma iniciativa do Instituto de Ética da AMA (Associação Médica Americana), que foi desenvolvido com o apoio financeiro da Fundação Robert Wood Johnson. O projeto visa à formação de profissionais de saúde sobre cuidados de saúde norte-americanos no final da vida, através da realização de um curso que combina módulos presenciais e virtuais, abrangendo todos os aspectos técnicos, psicológicos, éticos e espirituais da saúde. O Projeto EPEC é parte da crença de que somente através da educação pode-se ter no futuro a opção de exercer controle sobre o fim da vida. Progresso no caminho do planejamento requer maturação social intensa e participação em um clima de deliberação democrática sobre os projetos, pessoais e coletivas, sobre a vida, a saúde, doença e morte (CANTALEHOS, 2008).
  5. Fase social e comunitária: melhorar a qualidade dos cuidados no fim da vida (século XXI). Desde 2000, pode-se dizer que uma nova fase, a partir do ponto de vista clínico, legislativo e judiciário foi alcançada. Nela, todo o trabalho de melhorar a qualidade dos cuidados no fim da vida, no contexto de uma filosofia de cuidados paliativos, que também foi desenvolvido na última década, gerou uma nova orientação do planejamento futuro de uma forma mais social e comunitário. Neste sentido, essa fase tem vindo a dar crescente importância para as peculiaridades de dois tipos de doentes: idosos e / ou dementes.
            O Brasil hoje está na fase pós-legislativa, fase de implementação do TV. Os negativistas, que não estão de acordo com a legalização do documento, como o deputado Pastor Março Feliciano (PSC-SP) criticou a resolução (1.995/12) do Conselho Federal de Medicina, afirmando que em vez de retirar os direitos do paciente, seu substitutivo vai definir os direitos que não poderão ser retirados - por exemplo, alimentação, hidratação e oxigênio (SOUSA, 2012).
            Por outro lado, o deputado Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), um positivista, afirma que a resolução do Conselho Federal de Medicina é positiva. O parlamentar é médico e presidente da Comissão de Trabalho da Câmara. "Muitas famílias se deparam com essa situação de ter um paciente em estado, por exemplo, de morte cerebral e em um estado que, muitas vezes, é até denominado até de estado vegetativo, onde a pessoa não tem mais possibilidade nenhuma de recuperar a consciência e, muitas vezes, o médico fica também sem um instrumento adequado para saber que procedimentos ele pode adotar." No entanto, Sebastião Bala Rocha faz uma ressalva à resolução. Ele questiona o fato de a definição sobre o tratamento do paciente só constar em prontuário assinado pelo médico, sem necessidade de testemunhas ou da assinatura do próprio paciente. Sebastião Bala Rocha espera que a resolução seja aprimorada para dar mais segurança à população (SOUSA, 2012).
3. CONCLUSÃO
            A preocupação central das críticas a favor do tema é a qualidade de vida do paciente. Acredita-se que, ao sobreviverem, poderiam ficar com sequelas neurológicas graves. O testamento vital, impele as pessoas a pensar sobre a finitude, algo que é evitado com avidez. Ninguém está preparado para morrer. Para muitos, a noção do fim definitivo é aterradora e um documento como o testamento vital causa natural desconforto.
            Atualmente, momento de implementação da TV, deve existir uma conscientização de que o documento não está totalmente adequado aos parâmetros culturais, sociais e econômicos dos brasileiros. Por mais que a legalização tende a trazer uma amenização da vida dependente e inválida, a questão é: o país está pronto eticamente para receber essa demanda de mortos? Será que o gigante ainda está adormecido perante essa opção tão considerável à bioética? O que será da geração futura frente à morte frenética de pacientes, a maioria delas desafogando os seguros de saúde tão sobrecarregados de dívidas e processos judiciais? Como ficará o Judiciário, com o aumento do número de processos envolvidos pela ortotanásia? Deve-se pensar, sabendo-se que será difícil voltar atrás e preparar melhor a sociedade para uma decisão tão importante, assim como os EUA fizeram ao implantar entre seus cidadãos.
4. REFERÊNCIAS

-CANTALEHOS, M. et al. Revision de la literatura sobre al uso del testamento vital por la poblacion mayor. Gerokomos v. 19 n.2 Madrid jun. 2008.

-FREITAS, E.V., et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, 2 edição.

 -LOPES, Adriana D.; CUMINALE, Natalia. O direito de escolher. Revista Veja, Sao Paulo, editora Abril, edição 2286, ano 45, n 37.

-Resolução 1.995 do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Testamento Vital. Disponivel em: http//: www.zerohora.clicrbs.com.br. Acessado em 19 de novembro de 2012.
-SOUSA, Hélio. Testamento Vital. Jus Brasil. Disponivel em: http//: camara-dos-deputados.jusbrasil.com.br. Acessado em 19 de novembro de 2012.

   

Nenhum comentário: