domingo, 3 de outubro de 2010

Acepção existencial da espiritualidade[1] na velhice


Ao destacar sobre o aspecto da velhice é preciso antes de tudo caracterizar a mesma, observa-se que, todo organismo multicelular possui um tempo limitado de vida e sofre mudanças fisiológicas com o passar do tempo. A vida costuma ser dividida em três fases: a fase do crescimento e desenvolvimento, a fase reprodutiva e a fase da senescência, ou envelhecimento. Na primeira fase ocorre o crescimento e desenvolvimento dos órgãos especializados, o organismo cresce e adquire capacidades funcionais que o tornam apto a se reproduzir. A segunda fase é caracterizada pela capacidade reprodutiva dos indivíduos, que garante a sobrevivência, perpetuação e evolução da espécie. Por isso que se fala que o homem distingue-se dos outros seres vivos pela capacidade de adaptação. A terceira fase, a senescência, é caracterizada pelo declínio da capacidade funcional do organismo.

O interessante é que a grande maioria das pessoas vive intensamente sua vida, na busca sentido e não aceitam a fase do envelhecimento; parece ser algo distante e que não faz parte da realidade cotidiana das pessoas, e, é na fase da senescência que observamos a necessidade da busca pelo sentido de vida em muitos que já não tem a que procurar.

Nesse sentido, o processo de envelhecimento traz consigo muitas questões existenciais que, tradicionalmente, a religião tem tentado responder. O ser humano colocado no mundo vivencia um estado inicial e final de desamparo. Ele tem intrinsecamente a necessidade de sustentação, de proteção e explicação. Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Questões essas, inaugurais do ser humano.

Vale considerar ainda que palavra religião vem do latim, religare, que significa religar, restabelecer a ligação entre Deus e os homens. Já espiritualidade vem do latim, spiritus, que significa “sopro”, referindo-se ao sopro da vida. E envolve a capacidade de se maravilhar, de reverência e gratidão pela vida. É a habilidade de ver o sagrado nos fatos comuns, de sentir a pujança da vida, de ter consciência de uma dimensão transcendente (Elkins,1999).

O que ocorre com muitos idosos, nesta fase da vida como destaca Jung, muitos lutam contra o sentido da vida, surge então a crise existencial, a partir da qual o homem se tornaria menos impulsivo e extrovertido, emergiria na meia idade. A partir de então, ele estaria habilitado a conquistar, para além do conhecimento, a sabedoria, reconhecendo sua própria finitude e fazendo uma revisão de sua vida: “O que foi grande na manhã, será pequeno ao anoitecer e o que de manhã era verdade irá tornar-se mentira ao anoitecer” (Jung, 1987, p.198).

Ou seja, assim como a primeira metade da vida seria marcada pela introdução na realidade externa, a segunda seria caracterizada pela iniciação na realidade interna. O inicial vazio da crise da meia-idade seria indicativo do deslocamento da energia psíquica, o começo de uma transformação. Transformação esta que muitos precisam reaprender a encontrar o sentido da vida, e, um dos elementos que contribui para essa retomada de sentido é a religiosidade e a espiritualidade. Destaca Alves (2004, p. 45) “O homem é um ser inacabado e por isso encontra sua ligação com o Criador. (...) A religião, como a educação, não é para apaziguar os seres humanos, mas para que possa ajudar no estabelecimento de um diálogo entre as pessoas”.

Em nosso atual período, os indivíduos estão ligados para além de crenças e fronteiras, estão cheios, mas de coisas vazias, paradoxalmente, desligados de seus próximos. Os referenciais já não são locais nem particulares como no passado: a família, a comunidade, a cidade, nem sequer a pátria.

A sociedade complexa desenvolve-se de forma descontínua, a era tecnológica, cientificista e impessoal torna passível transformar a experiência acumulada em algo cujo objetivo está voltado totalmente ao lado oposto.

E, portanto, num vazio de sentido diante das novas formas de mal-estar contemporâneo, onde as certezas se evaporam, os paradigmas se deslocam circunstancialmente e as redes de relações e seus significados se diluem e se transformam, sem cessar. A espiritualidade pode representar, assim, uma resposta aos impasses da atualidade em qualquer idade, diante deste cenário de fluidez, fragmentação e impessoalidade.

Referências

ALVES, Vicente Paulo. A religião e seu ensino: prática de ensino e relação interpessoal com alunos. Brasília: Universa, 2004.

ELKINS, David E. Além da religião. São Paulo: Pensamento, 1999.

Jung, C. G. Psicologia e religião. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984

GOLDSTEIN, L. L., & SOMMERHALDER, C. (2002). Religiosidade, espiritualidade e significado existencial na vida adulta e velhice. In E. Freitas, & L. Py (Orgs.). Tratado de geriatria e gerontologia (950-955). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

LELOUP, Jean-Yves, et. al. O espírito na saúde. Petrópolis: Vozes, 1997.


[1] A palavra Espírito está representada pela palavra médio-oriental e hebraica Ruah, pela palavra grega Pneuma e pela palavra latina Spiritus. Ela remete para uma experiência mais fundamental que o sopro, a experiência de que a respiração, a vida, o Espírito estão ligados a uma fonte da qual bebem todos os que vivem e respiram. É importante destacar ainda a concepção antiga e moderna de Espírito. O conceito antigo coloca o Espírito como uma parte do ser humano que é transcendente, divina, eterna e que se compõe com o lado terreno e mortal que é o corpo. A morte os separa, o corpo fica aqui e o Espírito vai para a eternidade. Já o conceito moderno, da fenomenologia do Espírito, aparece depois de Kant e Hegel. Diz-se que o Espírito não é alguma coisa mas um modo de ser. O modo de ser da liberdade. Quem é portador do espírito singular e único é o ser humano. (...) (LELOUP, 1997, p.21-22).

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