Débora Mesquita Guimarães Fazzio
A ciência médica moderna contribuiu para o aumento da expectativa e qualidade de vida do ser humano, porém, como conseqüência, criou situações envolvendo dilemas éticos, como a transformação da fase final da vida em um sofrido processo de morrer (FERRAI, 2008).
Atualmente os cuidados paliativos são compreendidos como um ramo da medicina que enfatiza o cuidar global do paciente, quando este não apresenta mais resposta aos tratamentos considerados curativos, visando propiciar melhor qualidade de vida ao indivíduo e sua família, por meio de técnicas que aumentem o conforto, mas sem interferirem na sua sobrevida. O enfoque maior é dado ao controle da dor, sofrimento e melhora dos sintomas, e não em restabelecer a saúde integralmente, o que consistiria na "cura" da doença (CORRÊA; SHIBUYA, 2007).
Numa perspectiva integradora, os cuidados paliativos e os valores fundamentais da geriatria coincidem: o paciente está no centro dos cuidados, a perspectiva é de uma abordagem interdisciplinar, holística e compreensiva, além de paciente e família serem vistos como uma única unidade de cuidados. Uma prioridade é garantir na medida do possível a independência funcional e qualidade de vida, avaliação regular e formal que assegure a identificação e tratamento das intercorrências no momento certo (PESSINI; LUCIANA, 2005).
Os cuidados paliativos tratam freqüentemente o tema bioética, porquanto lidam com a dor, a perda, o sofrimento e a morte. Nessa concepção, o paciente, como sujeito biopsicossocial e espiritual, demanda cuidado integral e humanizado na assistência, devendo ser tratado com dignidade, ainda que sem possibilidade de cura ou em fase terminal (BENARROZ; FAILLACE; BARBOSA, 2009).
No que diz respeito a assuntos relacionados à alimentação e nutrição é comum enfrentar dilemas bioéticos, pois a alimentação está relacionada ao estilo de vida e bem-estar, a valores culturais, ao prazer e a vida, envolvendo relações sociais e familiares, estando, ainda, inserida na cultura como símbolo de vitalidade (BENARROZ; FAILLACE; BARBOSA, 2009).
Em cuidado paliativo, é comum o paciente apresentar inapetência, desinteresse pelos alimentos e recusa àqueles de maior preferência. Conseqüentemente, podem ocorrer: baixa ingestão alimentar; perda ponderal com freqüências que podem variar de 31% a 87%; depleção de tecido magro e adiposo; e caquexia. Em contrapartida, os efeitos colaterais dos tratamentos medicamentosos podem causar náuseas, vômitos, diarréia, saciedade precoce, má absorção, obstipação intestinal, xerostomia, disgeusia, disfagia, entre outros (CORRÊA; SHIBUYA, 2007).
O objetivo do cuidado nutricional é assegurar a ingestão alimentar, conforme as necessidades e recomendações nutricionais, por meio da orientação da dieta, da avaliação e monitoramento do estado nutricional. Quando se trata de cuidados paliativos, no entanto, o foco principal é melhorar a qualidade de vida, através do controle de sintomas associados ao consumo de alimentos, adiando a perda de autonomia e qualidade de vida (BENARROZ; FAILLACE; BARBOSA, 2009).
O nutricionista é um dos profissionais que pode auxiliar na evolução favorável do paciente. Freqüentemente, depara-se com verdadeiros impasses em relação à conduta dietoterápica. A discussão envolve questões de comunicação com os familiares e o paciente, valores morais e ética profissional, afinal, existe a dúvida se instituir uma modalidade de terapia nutricional consiste em um cuidado básico ou um tratamento médico (CORRÊA; SHIBUYA, 2007).
A decisão de manter ou suspender a alimentação e a hidratação de pacientes que estão em cuidados paliativos deve ser discutida com a equipe técnica multiprofissional, com o paciente e com seus familiares. Em alguns casos, o próprio paciente decide não mais se alimentar, e esta postura deveria ser respeitada, do ponto de vista moral e ético, pelo médico, considerando os princípios da autonomia. Porém, nem sempre essa decisão é acatada. Há situações em que a recusa voluntária de alimentos e água pelo paciente está relacionada à intenção de apressar a morte, em decorrência de depressão, que se tratada, pode reverter esse quadro. Da perspectiva ética, os princípios da autonomia, beneficência e não-maleficência apóiam os direitos do paciente em refutar ou questionar a retirada de algum tipo de terapia. Todavia, apesar das opiniões éticas e legais do assunto, alguns autores alegam que a retirada do tratamento nutricional é insustentável e deveria ser evitada (BENARROZ; FAILLACE; BARBOSA, 2009).
A decisão entre reutilizar, suspender ou retirar completamente a nutrição é sempre difícil e controversa. Deveriam, pois, os profissionais da saúde aplicar terapia nutricional a todo paciente que o requeira, independentemente do fato de que ele possa vir a morrer? Essa abordagem (nutrição para todos sem se importar com a condição ou preferência do paciente) é indefensável, contra-intuitiva e não ética, e assinalaria a última transformação da medicina de uma arte baseada na discrição clínica, para um sistema burocrático frio e sem razão (ARENAS; ANAYA-PRADO; BARREIRA-ZEPEDA, 2000).
Refletir sobre questões de alimentação relacionadas à finitude sempre provoca polêmica e opiniões discrepantes entre profissionais de saúde, familiares e o próprio paciente. Em algumas situações, o paciente não se encontra apto a tomar decisões, ficando dependente da decisão dos familiares acerca do plano de cuidados propostos (BENARROZ; FAILLACE; BARBOSA, 2009).
Observa-se, portanto, que os pacientes com doenças avançadas ou em estado terminal têm fundamentalmente os mesmos direitos que os outros pacientes, tais como o direito de receber cuidados médicos apropriados, apoio pessoal, direito de ser informados, mas também o direito de recusar procedimentos diagnósticos e/ou tratamentos quando estes simplesmente nada acrescentam diante da morte prevista (PESSINI; LUCIANA, 2005).
Desta forma, deve-se considerar que no cenário da terminalidade da vida, na tentativa de “salvar vidas”, tem-se buscado prolongar um penoso processo de agonia e retardamento da morte, apontando a necessidade de que haja um melhor preparo dos profissionais da área de saúde para que, de maneira competente e comprometida, sejam capazes de estar ao lado das pessoas nesse momento que pode representar dor, sofrimento ou fim, mas também cuidado, conforto e paz (FERRAI, 2008).
REFERÊNCIAS
ARENAS, H; ANAYA-PRADO, R; BARREIRA-ZEPEDA L. M. Bioética em Nutrição. In: WAITZBERG, D. L. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 3. Ed. São Paulo; Atheneu, 2000.
BENARROZ, M. O.; FAILLACE, G. B. D.; BARBOSA, L. A. Bioética e nutrição em cuidados paliativos oncológicos em adultos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2009; 25(9): 1875-1882.
CORRÊA, P.H.; SHIBUYA, E. Administração da Terapia Nutricional em Cuidados Paliativos. Revista Brasileira de Cancerologia 2007; 53(3): 317-323.
FERRAI, C. L. M. et al. Uma leitura bioética sobre cuidados paliativos: caracterização da produção científica sobre o tema. Centro Universitário São Camilo - 2008;2(1):99-104.
PESSINI, L.; LUCIANA, B. Novas perspectivas em cuidados paliativos: ética, geriatria, gerontologia, comunicação e espiritualidade. O MUNDO DA SAÚDE — São Paulo, 2005; 29(4): 491-509.
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